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Duas tardes


Duas belas tardes nunca seriam suficientes para resolver qualquer coisa. Sim ou não? Eu nunca vou conseguir responder, mas provavelmente se escrevo sobre isso é porque não seriam. Quando eu conheci os olhos cor de mel de Alianath em um dos tantos cafés de Nice, escondido em meio a uma galeria de dois andares, de uma rua calma como aquela, eu jamais imaginava ser provocado de tal forma. Aquele olhar era forte, me convidava desde o início, mas sem perder a firmeza. Convicção parecia ser seu mantra, me olhava, me queria, mas me passava a certeza de que nunca aceitaria minha condição. Dois brasileiros fora do seu caos habitual chamado Brasil, em teoria tem muito em comum para conversar, profissão, vida pessoal, até mesmo sobre os números (que descobri que ela também gostava) e a tal da saudade, que praticamente não tem tradução em lugar algum. A cada movimento dela eu negava qualquer tipo de assunto que nos levássemos tão profundamente ao íntimo. Eu não tinha e nem tenho até a intenção de indagar ninguém a esse ponto. Ela portava a mesma postura. Era morena alta, com cabelos compridos e olhos cor de mel. Naquela tarde de 2012, apesar de lembrar muito bem do dia, nunca vou lembrar a situação que me levou até aquele café, mas sinceramente não faz diferença. Eu estava lá e tive coragem de ir falar com ela após escutar ela mandando uma mensagem de voz em português (bem gaúcho por sinal). O seu nome, Alianath, não soava nada brasileiro, mas jurou que era de Esteio, pertinho de Porto Alegre. Quando falei o que fazia e o que queria ser, começamos automaticamente a falar dos maus professores e como eles são tantos. Um expresso, uma água e o sorriso dela, nada mais eu precisava. Mesmo após duas horas de conversas leves e não profundas o tempo pareceu ser dois minutos. Quando nos levantamos eu não pude deixar de me convidar a ter mais do que aqueles dois minutos que dizem ter sido duas horas. Já na rua, antes de me despedir, um beijo pareceu natural demais para aquela situação, tanto que ele não foi o único. Fui convidado a ver o entardecer onde ela morava. E como foi bom. Demorou um pouco até vê-la pessoalmente em outra oportunidade, mas aconteceu. Também a tarde e em sua casa, me recebeu com mais palavras, mais indagações, mais dúvidas, mais constatações. Mesmo que ainda cedo para tal eu pensei. Porém também com o mesmo beijo e a mesma vontade e muito café, é preciso ser dito. Ela já tinha entendido que eu amo café. Tem alguém que não ama? Falando nisso, desde o primeiro café ela conhecia a minha condição. Um comprometido. Falei que nunca largaria a ciência e iria aonde ela me chamasse. Assim o faço até hoje. Mesmo com mais conversa, tivemos uma tarde incrível. Eu nunca pensei em dizer tudo que pensava para ela, tão pouco tudo que já pensava dela. E tudo isso por um simples motivo, nunca imaginei que aquela seria a última vez a veria. As palavras são muito mais verdadeiras pessoalmente e ela sabia que eu pensava assim. Após aquele dia, tudo com ela ficou frio, tenso, seco e cheio de vazio. Eu sei que ela não é assim. Talvez a minha condição tenha a deixado brava, mas uma coisa é certa: eu nunca a escondi. Nunca mais nos vimos. Nem nas tardes, dias ou noites. Perdemos o contato nesse mundo moderno em que é quase impossível deixar isso acontecer, a menos que se queira. E assim eu entendi. Não tive a oportunidade de dizer a ela o quanto tudo aquilo (duas tardes) mexeu comigo. Bagunçou meus pensamentos na época. Me fez pensar e repensar planos. Me deixou sem chão onde eu achei que tinha. Muito provavelmente eu consiga encontrá-la hoje em dia, porém mesmo após tanto tempo ainda não sei devo. Ela me fez pensar que não devo. Duas tardes Alianath, foram apenas duas tardes.

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