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Um hino, dois corações


Uma letra não foi capaz de mudar minha história, minha descendência é mais forte e enraizada do que a simples troca de uma “r” por um “l”. Parece que tentaram, é bem verdade, mas não conseguiram. Sou italiano sim e quando grafaram erroneamente o nome de meu avô por “Lombaldo”, não foi suficiente para esquecer ou enfraquecer minhas raízes italianas. “Lombardo” era o que traziam os documentos de nossos ancestrais e até onde pude saber mais, eram de grande parte provenientes da Sicília, no sudoeste da famosa terra. Cresci sem muitos hábitos italianos sendo empregados ao meu dia-a-dia e por inúmeras vezes pensei: “Onde afinal está meu vínculo com a Itália?” Acho que no fundo dos meus pensamentos, eu sabia que descobriria na hora exata. Nunca tive a necessidade de aprender italiano e passei muito tempo sem dominar a língua. Sonhei um dia em conhecer o mundo, mas nunca tive certeza e tampouco ideia de como faria isso. Foi então que a oportunidade surgiu na época da realização do meu doutorado. Duas possibilidades, Estados Unidos ou Itália? Itália, sem pensar. Mentira, pensei bastante sobre tal e quis o destino que fosse a Itália. Uma das coisas que talvez mais tenha pesado nessa decisão foi com certeza a vontade de entender minhas raízes italianas, ou simplesmente descobrir se elas existiam. Algumas aulas de italiano dois meses antes do embarque foram apenas suficientes para uma espécie de pontapé inicial na língua local. O desafio de desembarcar sozinho com apenas uma mala cheia de coragem e não ter ninguém te esperando do lado de fora do aeroporto foi grande, a língua, bem como sua cadencia e sotaque, foi sendo derramada em mim a cada gole de café ou vinho na maravilhosa Turim. Fiz amigos de verdade, os quais carrego até hoje, e dentre eles sem dúvida está Vittorio, quem dividiu apartamento comigo nessa nova fase de uma ano da minha vida. De agosto de 2013 à agosto de 2014 transformei os amigos de Vittorio em meus amigos também, de maneira gradual e lenta. Virei fluente em italiano, a mesma língua que não sabia nada dois meses antes de embarcar. Terminei com honra um doutorado em matemática com o melhor pesquisador da área nessa época. Acumulei diversas vitórias pessoais jamais imaginadas por mim antes, mas afinal onde estava mesmo minha raiz italiana? Era só um nome e nada mais? Às vezes, um estalo nos faz entender tudo. O tal estalo veio no dia 14 de junho de 2014, dez meses após desembarcar em terras italianas com um convite para ver a estréia da Itália na copa do mundo na casa de um dos nossos amigos, 7 italianos e 1 brasileiro (na verdade, 8 italianos). Eu pensava ser um intruso naquele momento, mas tempos depois descobri que meus amigos italianos poderiam ter convidado outros amigos estrangeiros e não o fizeram, chamaram apenas a mim. O Lombardo. Até então era só mais um jogo, mas em se tratando de copa do mundo, nunca é só um jogo. Até os menos patriotas se transformam em frente a uma tela de televisão qualquer. Para mim não fazia diferença, era Inglaterra e Itália e não o Brasil. Errei feio! Minutos antes do início da partida nos acomodamos todos no sofá após comer pizza e tomar vinho, prontos para o início do jogo. Casualmente me sentei no meio de todos eles e fiquei ansioso para ver uma partida da Itália em solo italiano, sentir a emoção, apreciar a expressão deles, ver o rosto de cada um sendo alterado ao decorrer do jogo. Errei de novo, não vi nada disso. E não vi porque quando as seleções estavam perfiladas em frente a nós, veio o momento do estalo. Quando foi anunciado o hino da Itália, todos levantaram e se deram os braços, me envolvendo centralmente naquele gesto eu entendi tudo. Giovani Coppola olhou para mim e disse: “Canta com noi?”. Foi então chorando que a plenos pulmões eu cantei o hino da minha seleção, do meu país, da minha terra, dos meus ancestrais sem errar a letra que eu não sabia por completo, entendendo de uma vez por todas o que ela significava. Eu nunca me senti TÃO italiano como naquele dia e esse sentimento nunca foi embora. A ficha caiu, eu sou italiano porque está no sangue e a ciência nunca poderá explicar isso ou o que eu senti. Fiquei pasmo não só com a vitória de 2 a 1 sobre a Inglaterra, mas também como torci, vibrei e chorei por todos nós italianos. Todas as vezes que volto a Itália, olho pela janela do avião momentos antes da aterrissagem e digo: “Minha casa”. Todos lá me chamam de italiano e ninguém ousa dizer que tenho outra bandeira, eles não imaginam isso, e para ser sincero, as vezes nem eu. Não sei explicar por completo, talvez porque completo eu esteja, o que sinto desde aquele 14 de junho. Sei apenas que aquele dia foram os sentimentos que me despertaram de um hino e dois corações.

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